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domingo, 21 de março de 2010

Décima: antologia de humor e sátira

Décima (lat. décima) é cada uma das dez partes que se pode dividir alguma coisa.Designa o poema ou estrofe de dez versos. Largamente empregada, sobretudo como estrofe, nos séculos XVII e XVIII, a décima foi menos apreciada pelos românticos, mas os parnasianos repuseram-na em circulação. Em vernáculo, podem-se encontrar exemplos desde a Fênix Renascida (séc. XVII) até Alberto de Oliveira (séc. XIX e XX). Os cantadores nordestinos utilizaram-na com frequência. A rima usual é ABBAACCDDC.


Também chamada ´´pequeno soneto``, a décima, graças à condensação de efeito que alcança, adapta-se eficazmente aos temas epigramáticos e satíricos. De Gregório de Matos, que cultivou a décima como poema isolado, transcrevemos os poemas a seguir:


A um livreiro, que havia comido um canteiro de alfaces com vinagre


Levou um livreiro a dente

De alface todo um canteiro,

E comeu, sendo livreiro,

Desencadernadamente.

Porém, eu digo que mente

A quem disso o quer tachar;

Antes é para notar

Que trabalhou como um mouro,

Pois meter folhas no couro

Também é encadernar.


Vocabulário


Levou a dente: devorou.

Couro: termo da gíria; bucho, barriga.

Trabalhar como um mouro: trabalhar como os mouros trabalhavam em Portugal e Espanha, para poderem pagar os pesados impostos com que eram carregados por estas duas nações. Daí o verbo mourejar. Ainda há o adágio: ´´servir como um mouro``.


O jogo de palavras, o trocadilho, importante característica barroca, é o recurso estilístico que otimamente se aplica ao espírito satírico, à ironia, a ponto de o próprio padre Antônio Vieira constantemente usá-lo com este fim, nos seus sermões.



A sátira de Gregório de Matos busca, então, a graciosidade, nestes versos, jogando com expressões, tais como desencadernadamente, folhas no couro, encadernar. Este gênero popular apresenta uma linguagem simples, com vocabulário cujo sentido possa ser imediatamente compreendido.


Os versos são curtos, conduzindo à ligeireza rítmica. Estes são de 7 sílabas (heptassílabos/ redondilha maior).


Le / vou / um / li /vrei / ro a /den / te

De al / fa /ces / to / do um /can / tei /ro


Nos quatro primeiros versos do poema, Gregório de Matos retrata a gulodice do livreiro, que devorou um canteiro de alface. O poeta cria uma palavra desencadernadamente, em que a palavra encadernada, acrescida do prefixo des e do sufixo mente, fixa a sugestão de grandeza, do exagero, em relação ao indivíduo glutão, a sua voracidade, além, talvez, de sugerir um sentido injurioso, como se estivesse dizendo desavergonhadamente.


No verso "De alfaces todo um canteiro", percebemos que há uma inversão sintática (anástrofe, figura caracterizada pela anteposição do determinante ao determinado). A ordem direta seria: Todo um canteiro de alfaces.

Na parte final do poema (do verso seis ao dez), Gregório salienta que o livreiro não tinha somente o defeito da gula (´´Antes é para notar``);também era preguiçoso, ´´vagabundo``, satirizado pela expressão ´´Que trabalhou como um mouro``, ou seja, como um escravo para poder ´´meter folhas no couro`` (encher a barriga), como se fosse um objeto de trabalho (´´Também é encadernar``).

Logo, a sátira polemiza as habilidades de sobrevivência do livreiro da seguinte forma: era mais importante comer do que encadernar.

Ironia, deboche, humor e irreverência são marcas na sátira deste poeta. A alcunha ´´Boca do Inferno`` foi dada a Gregório por sua ousadia em criticar a Igreja Católica, muitas vezes ofendendo padres e freiras.

Esta décima (estrofe com dez versos, com rima usual ABBAACCDDC, versos de sete sílabas—heptassílabos comumente chamados de redondilha maior) foi dedicado a uma freira que publicamente, resolveu satirizar o poeta pela fisionomia delgada e um nariz saliente, chamando-lhe de ´´Pica-Flor``(passarinho, o mesmo que beija-flor). Gregório, não deixou por menos e lhe respondeu em versos:

A uma freira que satirizando a delgada fisionomia do poeta lhe chamou "Pica-Flor".

Se Pica-Flor me chamais,
Pica-Flor aceito ser,
Mas resta agora saber,
Se no nome que me dais,
Meteis a flor que guardais
No passarinho melhor!
Se me dais este favor,
Sendo só de mim o Pica,
E o mais vosso, claro fica,
Que fico então Pica-Flor.

Neste poema, percebe-se claramente a manobra adotada por Gregório, que fragmenta o termo ´´pica-flor`` extraindo os lexemas que o compõem, para conferir-lhes novas significações . Observa-se que estes versos têm uma conotação erótica, pois o poeta utiliza expressões que remetem ao ato de cópula. Tratado pela freira por "Pica-flor" o mesmo diz aceitar a alcunha desde que esta tenha um lugar para guardá-lo. Ao ocorrer tal possibilidade, permite que ela assim o chame.



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